Precisamos descobrir os sapatos que nos cabem
Ruan Majesa
5/8/20243 min read
Você provavelmente já entrou numa loja de sapatos, viu um sapato que você amou e então pediu para experimentar, mas infelizmente quando o(a) vendedor(a) foi buscá-lo descobre-se que não havia o seu número e na tentativa de realizar a venda ele(a) trás para você um número alternativo, você experimenta e vê que não deu, ou ficou maior, ou apertado. As vezes você até pensa "ah, vou levar porque vai ceder e aí vai dar para usar", mas ao fazer isso corre um grande risco de não dar certo (o que geralmente acontece), aí você tem duas opções: Insistir, ou voltar e trocar por outro que seja seu número. E aqui entra a nossa questão de hoje, quantas vezes insistimos em um número que não é o nosso, neh?
Constantemente somos tentados a calçar sapatos que não correspondem ao nosso número, muitas das vezes fazemos isso porque queremos nos ajustar a "moda", outras vezes influenciados por pessoas ao nosso redor que reforçam dizendo que está lindo e que precisamos comprar e usá-lo. Mas a verdade é nem sempre a moda tem a ver com quem nós somos, e na maioria das vezes a pessoa que nos diz que aquilo está lindo não sabe o quão apertado e doloroso está para calçar esses sapatos. Nesse sentido, nos interessa refletir sobre esses sapatos e sobre os lugares que escolhemos pisar, porque em diversos momentos calçamos o que não nos cabe e pisamos onde não nos pertence. Acredito que a esse altura do texto você já tenha percebido que não estamos falando de sapatos aqui, mas sobre nossas buscas e nossos encaixes.
"No mundo contemporâneo, vivemos a era do parecer: parecer bonito, parecer inteligente, parecer rico, parecer poderoso, parecer sarado e, às vezes até, parecer feliz. Estamos num universo de simulacros. A cada dia nos vemos socialmente impelidos a nos afastar da possibilidade de sermos, de fato, o que somos. Encontramo-nos desenraizados de nossa condição humana, destituídos de nós mesmos" (FRAZÃO, 2017).
Hoje em dia a mídia tem a capacidade assustadora de influenciar quase todas (se não todas) as áreas das nossas vidas, desde a coisa mais básica como, qual creme de cabelo usar, até as decisões mais complexas, como qual profissão seguir, qual o melhor jeito de se comportar, qual o padrão de beleza mais em alta no instagram, etc. Mas a verdade é que viver para corresponder expectativas externas é absurdamente doloroso e danoso para nossa saúde mental e física. O ser humano nasce de sua subjetividade e de sua existência singular, nasce com seu próprio número de sapato, só que diferente dos sapatos reais, esse sapatinho existencial tem numeração única e específica de tal forma que nenhum outro ser humano no mundo calça o mesmo número que você. Isso porque nossas personalidades, construções familiares, sociais, ideológicas, políticas, cognitivas, entre outras são diversas e indubitavelmente distintas.
Nesse sentido, quando usamos aquilo que não nos cabe ou vestimos o que não nos veste, pisamos em lugares que não dão conta de nos receber, bem como, nos cobrimos com o que não da conta de nos cobrir. Assim, na incansável tentativa de ser como o objeto de nosso desejo, como o alvo de nossas comparações, nos perdemos de nós mesmos. E isso nos aperta como sapatos de números pequenos, por um certo tempo até conseguimos andar, mas depois esse aperto vai criando calos, machucados, fazendo nossa velocidade diminuir, até que nos obriga a parar, cheio de feridas acumuladas pelo caminho mal trilhado. Por isso, o princípio básico para se viver uma vida plena é adquirir consciência de si e calçar seu próprio número. E é aqui que tá o mais incrível dessa jornada, porque isso não significa que você só vai ter um sapato, mas aos poucos você vai descobrindo aquele que melhor te cabe, vai crescendo, se (re)inventando, (re)criando, mudando, mas sempre sendo você o/a designer da sua própria moda e de seu próprio estilo.
E é por isso que esse texto não é para te dar uma fórmula mágica, porque se não eu estaria te oferecendo um outro sapato que ainda não seria genuinamente seu. Escrevo hoje aqui, para te incentivar a trilhar esse caminho, seja através da terapia (o que será de grande ajuda), ou seja através de suas reflexões a respeito do que leu. O que posso fazer é lhe dizer é que você talvez nunca tenha percebido, mas você é incrível em fazer sapatos, então tudo que precisa fazer é assumir o controle e caminhar em direção a si mesmo(a).